No último final de semana do mês de Maio de 2019, mais precisamente no dia 26, realizou-se um fato histórico para a Cirurgia Fetal do Sul do Brasil. Após o diagnóstico de Mielomeningocele, uma gestante de Cascavel/PR conseguiu viabilizar, mediante ação judicial e concessão de medidas liminares pela Justiça Federal de Cascavel/PR, a primeira Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS no Paraná.
Embora os gastos públicos em casos como esse sejam comprovadamente menores com o tratamento intrauterino – se comparados aos tratamentos pós natais – este ainda é um procedimento novo. Assim, a Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo Sistema Único de Saúde – SUS ainda não está no rol de procedimentos existentes.
Nesse contexto, ao se depararem com diagnósticos de malformações fetais como este, famílias e médicos ainda não sabem a quem recorrer. Felizmente, não foi o caso desta paciente, que encontrou auxílio profissional para trilhar um caminho de sucesso junto ao Poder Judiciário.
Dificuldade em identificar o Cerebelo como indicador de Mielomeningocele
A gestante, residente em Cascavel/PR, foi realizar um exame pré natal de rotina, quando completava 22 semanas. Durante a Ultrassonografia, suspeitou-se de uma Agenesia de Cerebelo.
Desse modo, os médicos da cidade, responsáveis pelo pré-natal, avaliaram que o quadro apontava um feto incompatível com a vida. Segundo a paciente, eles acreditavam que se chegasse a nascer, o bebê não poderia sobreviver após o parto.
Inconformada com o laudo, a família foi em busca de outras opiniões, que pudessem contradizer a este desfecho trágico. E, após algumas semanas, surgiu, sim, uma nova resposta.
Uma equipe de Medicina Fetal de Curitiba constatou tratar-se de uma Mielomeningocele. Porém, na Mielomeningocele, o Cerebelo tem uma aparência um pouco diferente. Isso foi o que causou a confusão com o diagnóstico prévio de Agenesia.
Segundo os especialistas, é como um “Jogo dos 7 Erros”. Identificar o Cerebelo em casos de Mielomeningocele pode ser difícil, pois a forma deste é bastante diferente. Isso porque ele encontra-se herniado, o que é conhecido como malformação de Chiari tipo II.
Como é mais fácil ver as alterações cerebrais associadas à Mielomeningocele (Ventriculomegalia e alteração no Cerebelo), muitas vezes as alterações do Sistema Nervoso Central são vistas. Mas a Mielomeningocele em si, passa despercebida.
Leia aqui “Três dicas para ajudar no diagnóstico correto da Mieliomeningocele”.
A paciente chegou a Curitiba com 25 semanas de gestação. Ou seja, limite do prazo para a realização de uma intervenção intrauterina. A correção de Mielomeningocele tem sido realizada entre 20 e 26 semanas, pois o reparo neste período minimiza o intervalo de tempo durante o qual o dano neuronal à medula exposta pode ocorrer.
Porém, a gestante não possui Seguro de Saúde e não tinha recursos para realizar o procedimento de forma particular. Portanto, inicialmente, ela procurou pela Defensoria Pública, mas não encontrou o respaldo necessário.
Por outro lado, encontrou em sua cidade uma equipe de advogados que se interessou pelo caso e pela corrida contra o tempo. Sensibilizados pela causa e atuando de forma voluntária, os advogados viabilizaram, com muito afinco e dedicação, a medida liminar para obter a Cirurgia Fetal pelo SUS.
O processo judicial para viabilizar a Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS
A partir disso, a paciente entrou em contato com a advogada Dra. Gisele Santini, integrante da banca de Advogados denominada Advocacia Santini, de Cascavel/PR, que se prontificou a estudar o caso, elaborar a tese e adequar aos fatos, com a máxima agilidade. Neste caso, houve uma atuação especial, porque o tempo era o principal inimigo.
Assim, a advogada cancelou todos os compromissos para preparar a ação, se apegando aos laudos e ultrassonografia da equipe de Curitiba, que expuseram vários estudos de casos anteriores, semelhantes ao desta gestante. Dessa forma, foi possível confrontar resultados de bebês que passaram por Cirurgias Fetais e pós natais, demonstrando que a intervenção intra uterina é muito mais eficaz e garante uma qualidade de vida superior aos bebês.
Após intensos estudos, entrevista com a gestante e outras diligências, foi possível desenvolver e protocolar a ação na Justiça Federal da cidade. Além disso, a advogada pediu a concessão de uma liminar para realização da cirurgia, em razão da urgência.
Logo que ocorreu a distribuição, o gabinete da Juíza responsável pelo caso foi acionado pelo escritório da Dra. Gisele Santini, para alertar sobre a urgência e as peculiaridades do caso.
Assim, para viabilizar a primeira Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS, a advogada pautou a ação em três pilares: o laudo médico, deixando claros os ganhos da cirurgia intrauterina; a exiguidade de tempo e a necessidade de agilidade.
Desdobramentos do processo judicial
Na dia seguinte, concederam a primeira liminar. A decisão determinou que o Estado do Paraná e a União adotassem diligências administrativas de máxima urgência e prioridade para viabilizar a realização da Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS. Inclusive transporte, internação e demais cuidados médicos necessários, no prazo de 12 horas.
Caso esse prazo não fosse respeitado, a juíza afirmou que apreciaria o pedido de realização da Cirurgia na rede particular, com custeio pelo Poder Público (Estado do Paraná e União). O primeiro obstáculo foi transposto, mas a caminhada ainda estava longe de terminar.
A gestante, logo que tomou conhecimento da liminar, por volta das 13h30min do dia 24/05/2019, imediatamente dirigiu-se à Regional de Saúde de sua cidade, exigindo o cumprimento da decisão.
Contudo, aguardou até o fechamento do aludido órgão sem obter resposta. Nem sobre seu transporte para Curitiba, internação, nem sobre os cuidados médicos ordenados pela Justiça Federal.
E isso se deu porque, ao tomar conhecimento da liminar, a Procuradoria do Estado informou no processo que o procedimento do SUS seria aguardar o nascimento, para então operar o bebê.
Porém, aquela era a data limite para a realização do procedimento, pois, no dia seguinte, a gestação já completaria as 26 semanas.
Já a União, embora tenha afirmado por sua procuradoria que estava tomando as medidas necessárias, não comprovou no processo que tenha adotado diligências urgentes para garantir a realização da Cirurgia.
Necessidades do processo judicial
Em razão desse quadro de inércia do Poder Público, mesmo diante da liminar concedida, o advogado Dr. Gabriel Albertti, integrante da banca de Advogados que representava a gestante, a orientou para que se deslocasse para Curitiba ainda na noite do dia 24/05/2019. Mesmo que fosse necessário auxílio de terceiros, pois somente lá poderia submeter-se à Cirurgia.
Em paralelo, na manhã do sábado 25/05/2019, os advogados protocolaram novo pedido de liminar junto ao Plantão Judiciário. Solicitou que a Cirurgia fosse realizada na rede particular e custeada pelo Poder Público. O pedido foi feito considerando que foram ultrapassadas as 12 horas anteriormente fixadas, sem que, nesse período, a Cirurgia houvesse sido autorizada no âmbito do SUS.
A liminar foi concedida e determinou que a Cirurgia deveria ser realizada na rede particular, mas com o uso de recursos públicos.
Neste ínterim, o Diretor Geral da Secretaria de Estado de Saúde do Paraná, antecipou-se à própria Divisão de Saúde da Mulher, da mesma Secretaria, e autorizou a realização da Cirurgia Fetal no Hospital do Trabalhador, com uma equipe particular que se deslocou até lá para realizar a Cirurgia.
A realização da Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS
Após todos os trâmites judiciais, e no âmbito da Secretaria de Saúde, a Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS, finalmente, pôde então ser realizada por uma equipe particular, que se deslocou até o Hospital do Trabalhador para realizar a Cirurgia. Um Neurocirurgião, Anestesiologista, especialistas em Medicina Fetal e um Cirurgião Pediatra integravam a equipe multidisciplinar.
Todos estiveram envolvidos integralmente durante o procedimento, incluindo o planejamento, a execução da Cirurgia Fetal e acompanhamento pós cirúrgico.
A primeira Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS foi um sucesso. Teve duração média de 4 horas, sem intercorrências. O defeito da coluna do feto foi fechado a contento, e a equipe ficou muito animada com a perspectiva de melhora.
Ao final do procedimento, a gestante seguiu para a UTI, onde ficou em observação por três dias. Em seguida, mais um dia no quarto, e já pode ser liberada. Durante estes quatro dias, a equipe médica responsável realizou visitas duas vezes ao dia, com acompanhamento integral.
Não foi detectado qualquer problema e foram confirmadas a saúde da gestante e do feto. No dia 06 de junho, realizou-se o primeiro exame ultrassonográfico pós cirúrgico. O exame apontou que a evolução estava sendo favorável, já não mais se observando a Mielomeningocele. Houve também uma aparente estabilização do quadro de Ventriculomegalia.
A regulamentação da Cirurgia Fetal de Mielomeningocele pelo SUS
Embora os ganhos sejam irrefutáveis, ainda existe um grande caminho a ser percorrido. Juntos, com conhecimento e coragem, estamos trabalhando para a regulamentação dos procedimentos intrauterinos em casos de malformações fetais.
A Legislação brasileira não prevê a interrupção médica das gestações em casos como este, tampouco existem protocolos para correções intrauterinas.
Assim, é urgente a necessidade de um conhecimento mais amplo sobre a evolução da Medicina Fetal. Assim como das inovações terapêuticas que já estão disponíveis. Para que, então, se possa combater a injustificada resistência do Poder Público a este tipo de procedimento.
É fundamental que existam protocolos próprios para casos como este, adaptados às peculiaridades do nosso país. E que levem em conta os aspectos técnicos que possibilitem prevenir e minimizar os efeitos das malformações. Tanto da Mielomeningocele, quanto de outros tipos.
Para a Mielo, a cirurgia intrauterina é capaz de reduzir substancialmente a incidência de hidrocefalia e a dependência de derivação ventricular. Também proporciona melhora da função motora.
O efeito benéfico desta Cirurgia intrauterina já está incontestavelmente comprovado. Assim, será fundamental que se estabeleça uma política nacional de atendimento a esses casos.
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